Fè Coelho
Sobre corações partidos e outras coisas
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A foto mais bonita
Ontem tirei uma foto dele fumando um cigarro na janela. Estava escuro, a luz que entrava era a da lua cheia, noite de lua cheia... Eu estava com frio e a única coisa quente no ambiente era a fumaça que ele soprava no ar. Fotografei a fumaça também, como se isso pudesse trazer um pouco de calor ao meu corpo. Quando me viu com a câmera, fez pose de artista, não entendeu que eu estava tentando apenas absorvê-lo.

A carta que escrevi de madrugada começa assim: “olá, acho que te amo, mas o meu objetivo era morrer.”

Desisti da vida no início do ano e esperava o momento certo para esvaziar todas aquelas caixas de calmante, aí eu o conheci e fiquei adiando.

Ontem, cheguei em casa e tomei absolutamente todos os comprimidos...todos...deitei e esperei a morte chegar... Esperei...esperei...

Como estava sem sono e a morte não chegava, resolvi escrever uma carta para ele explicando que por mais que eu quisesse, não podia demonstrar o que sentia porque já me considerava morta.

Fora que só de pensar em reviver todas as etapas de um relacionamento...

A verdade é que eu o amo, mas não escrevi isso na carta para ele não ficar se achando demais.

Lavar as mãos é uma coisa que fazemos sempre... Alguém imagina o que é pensar em uma pessoa todas as vezes que se lava as mãos?

É assim que ele me ensinou: primeiro esfrega o sabonete líquido nas palmas das mãos e na parte interior dos dedos. Aí ele pega mais sabonete e passa no dorso das mãos...isso eu também aprendi com ele – isso aqui não são as costas da mão, e sim o dorso! Bom, aí se esfrega sabonete entre os dedos e a ponta dos dedos nas palmas das mãos. Aí se ensaboa os punhos .

Sempre que eu estava por perto ele me pedia para abrir a torneira, para os micróbios não voltarem para as mãos dele... E eu ficava olhando a água levar o sabonete para o ralo...

Eu não poderia vê-lo ir embora...

Um relacionamento também é algo bem complexo. Primeiro tem a conquista, sim, porque primeiro eu teria que conquistá-lo!

Não poderia simplesmente rodiá-lo como um tubarão esperando um gesto falho da presa e roubar-lhe um beijo, assim, do nada... Eu teria que produzir um clima legal, em um lugar tranquilo...e aí esperar ele se manifestar.

Depois do beijo eu planejaria um encontro em um lugar onde pudêssemos dançar, misturados a outras pessoas, como nas raves que eu adorava. Era tão sensual...aquela música hipnotizando...

Bom, depois eu ficaria um dia inteiro imaginando como seria a nossa primeira noite juntos...primeira noite não, porque eu não durmo ao lado de ninguém que não conheça há muito tempo! Na realidade eu ficaria imaginado a nossa primeira transa... Do que será que ele gosta? Ele disse que tá muito na moda a queimadura por cera de vela...

Bom, no dia seguinte eu ficaria olhando para o telefone o dia inteiro... Aí abriria os meus e-mails. Parece ridículo , mas eu preciso de qualquer sinal de vida da outra pessoa no dia seguinte!

Certa vez um rapaz sumiu por dias, depois de passar a adolescência inteira tentando me levar pro motel. A razão que fez ele não me ligar no dia seguinte é ridícula. A mãe dele foi presa embarcando cocaína para a espanha com um namorado! Ele e o pai tiveram que resolver o problema. Aí é que eu pergunto – “não havia telefone na polícia federal para ele me ligar?”

Enfim, voltando ao raciocínio. Ele me ligaria dando oi e nós combinaríamos de nos ver à noite. Como eu deveria tratá-lo no meio dos nossos amigos? Eu deveria fingir que nada aconteceu? Será que ele ficaria bravo se eu o beijasse na frente do pessoal? Seria um escândalo? Mas será que ele iria querer continuar saindo comigo?

Se nós resolvêssemos manter tudo em segredo, e uma menina chegasse e desse em cima dele? Ah, eu ia ficar muito puta, sou possessiva demais! Eu ia querer morrer...aliás, eu já quero morrer! Eu ia é querer matá-lo!

E se um dia, nós nos apaixonássemos por outras pessoas...

Eu não quero passar por tudo isso...eu preciso de estabilidade emocional...

A carta ficou assim, acho que está tudo bem claro:

“olá, acho que te amo, mas o meu objetivo era morrer. Você me ensinou a lavar as mãos e não sou um tubarão faminto. Não quero ficar esperando você me beijar e nem me ligar no dia seguinte. Eu gosto de ser hipnotizada pela música e posso causar um incêndio tentando te excitar com uma vela. Sou péssima em guardar segredos e nossos amigos diriam que nosso namoro é um escândalo. Eu bateria em qualquer outra mulher que chegasse perto de você. Enfim, apesar de achar que te amo, não quero passar por todas as etapas de um relacionamento novamente. Você não tem nada a ver com a minha morte, ela já estava decidida. Adeus”

Se os remédios não fizerem efeito, posso entregar a carta pessoalmente. Aí venho pra casa e tento morrer de outro jeito.

Eu queria que gostar dele não fosse errado.

Ontem, eu o fotografei sentado na janela. Foi a foto mais bonita que já tirei. Eu o abracei, mas não falei nada. Eu sequei as mãos dele com papel toalha e não o beijei. Ontem, eu o vi com outra mulher... Não reagi. Não coloquei o nome dele na carta
Fè Coelho
Enviado por Fè Coelho em 28/12/2024
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