Fè Coelho
Sobre corações partidos e outras coisas
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Harike desiste do poço
Harike olhava para o poço. Todos os dias olhava para o poço. Não sabia quem tinha escavado-o.
Há um ano era um buraco pequeno na areia branca. As folhas das tamareiras continuavam da mesma cor, as caravanas iam e vinham a cada três dias e as nuvens ainda se amontoavam naquela parte do oásis. Só o poço mudava, cada vez mais profundo...
O poço intrigava Harike. Um poço vazio... um buraco sem água no oásis, ele já não via o fundo, mas o fundo parecia mudar de cor todos os dias.
Harike estava preocupado. Comerciantes tuaregues desavisados poderiam cair no buraco à noite. Ele mesmo poderia esquecer e cair no poço ao andar com as cabras. Harike até tentou arranjar uma lona e cobrir o poço, mas aquilo não era correto, afinal, o poço não era dele.
A primeira pedra que Harike jogou no buraco, não foi jogada de volta pra ele. Escutou a pedra encontrar a areia no fundo, mas ela não voltou para sua mão, como imaginara. A pedra ficou lá, no fundo do poço, imóvel.
Harike passou a jogar tudo no poço, numa tentativa de preencher o espaço e resolver o problema. Um poço dessa profundidade era um problema terrível. Ele começou com coisas pequenas... uma pedra, uma tâmara, uma bolinha, um balde, um cabo de madeira, um pedaço de ferro. E passou para objetos maiores e também mais pesados... um tapete enrolado, cobertores, partes de uma tenda, uma cabra e um camelo.
Não entendia, como o buraco podia ficar mais e mais fundo. Sua angústia era tanta, que jogou toda a água das cabras no poço. Quando os animais morreram de sede, seus corpos foram parar no buraco também. Em uma madrugada de cólera, Harike jogou suas roupas no poço. Sentou pensando. Na quinta hora ele já não sentia seu corpo tremendo com a ventania gélida.
Tentou lembrar de como tinha chegado àquela situação. Era apenas um buraco na areia...
Aquilo era um poço, que ficava mais profundo com o peso do que ele estava utilizando na tentativa de tapá-lo.
Harike rasteja até a a boca do poço e procura o fundo. Não há fundo, não há nenhuma cor.
O tempo passa, Harike volta ao poço. Ainda doía ver o buraco aberto no oásis, mas desiste de preencher o vazio. Ele não tinha nada a ver com o poço.
Harike ainda passa pelo poço, olha e segue. O tempo que se encarregue.
Fè Coelho
Enviado por Fè Coelho em 28/12/2024
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