Fè Coelho
Sobre corações partidos e outras coisas
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Tradições
Sextas, sábados e domingos eram dias felizes. Era tradição ver cinco ou seis filmes das 18 horas de sexta às 23 horas de domingo. Era tradição reclamar que domingo era um dia horroroso e comer pipoca. Como sempre pedíamos o pacote meio a meio, eu escavava a parte salgada e só comia a doce.
Era tradição comer no Bella Villa ou no Santa Marta. Reclamar dos filhos dos vizinhos, cortar o cabelo com a Ivete, ir no centro kardecista do meu avó e de vez em quando ir ao Litoral Plazza, em Praia Grande. Era tradição reclamar que o shopping era super longe e da fila da Ponte Pênsil. Olhar o mar... lembrar da maçã do amor da Biquinha e de quando não tínhamos dinheiro.
Depois, o teatro deixou a minha vida de pernas para o ar e aderi a novas tradições... tinha a tradição de comer kibe ao lado do Teatro Guarany, almoçar ou jantar na padaria da esquina do Tescom. Tinha também os novos amigos, amores e desavenças.
Aí me bateu uma vontade enorme de trabalhar em São Paulo...larguei tudo, fiquei dois meses e voltei pra Santos. Voltei pra um lugar onde já não me encontrava, pra um apartamento vazio no Boqueirão, pra um trabalho que eu já não dava muita bola e pra amigos que agora pareciam desconhecidos, desconfiados das minhas intenções.
Caí na nigth. Sábados de Yellow e todo tipo de balada... sextas, sábados, domingos... festas... Festas em dia de plantão, festas em dia de velório... Sentia saudades das pipocas e dos amigos antigos.
Voltei para São Paulo e  por um ano e meio trabalhei igual a uma mula, perseguindo uma vaga que nunca chegou. Subia e descia, subia e descia até perder o controle da direção, em uma linda noite de verão na Imigrantes. Criei a tradição de pegar a estrada rezando e de não pensar mais na época das pipocas e de outras coisas doces.
Em abril do ano passado mudei pra São Paulo. Nova casa, novo namorado, novo emprego. Comecei a procurar coisas que pudessem se tornar tradicionais na minha vida. A feira de domingo, na esquina da minha casa, andar com os cachorros procurando terreno pra comprar e construir a casa que meu namorado projetou. Encomendar os tupperwares que a minha vizinha vende. Procurar os meu gatos, que insistem em desaparecer. Brigar com meus cachorros que insistem em brigar. E recentemente, frequentar a Igreja Messiânica.
A vida ficou diferente... como se um trator tivesse passado pelos hábitos e pessoas que eu tinha como tradicionais na minha vida. Agora, pensando bem, acho que é bem assim... a vida leva tudo. O que fica é isso... lágrimas e risos ao lembrar do que já foi importante. E pelo jeito vai ser assim pra sempre. Uma tradição após a outra... após a outra. Até o fim.
Mas isso não quer dizer que seja triste.
Fè Coelho
Enviado por Fè Coelho em 28/12/2024
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